Carmen da Silva, uma rio-grandina precursora do feminismo brasileiro.

Sobre os Recortes

Ao longo de sua vida de escritora Carmen da Silva amealhou grande número de recortes - matérias publicadas em jornais, tanto brasileiros quanto de fora do país - assinados por jornalistas e autores, dos mais aos menos conhecidos no Brasil e no exterior. Ora completa ora parcialmente referenciados, esses documentos críticos a respeito de sua obra, eventualmente alternados a entrevistas suas, depoimentos a jornalistas, etc. somam mais de quatrocentos, dispostos, organizados e colados em ordem cronológica (1957-1966, 1966-1972, 1972-1979, 1980-1985). Reunidos em quatro cadernos (escolares) de desenho, trata-se de um conjunto inédito pela primeira vez levado a público para leitura, depois de submetidos ao processo de digitalização, transformados em fortuna crítica jornalística de raro valor. Cada fragmento de tamanho legado, vestígio da existência de Carmen da Silva, revela uma faceta da recepção de sua obra ou de sua própria vida. Agora em circulação, a primeira parte desse conjunto de recortes memorialísticos contribuirá para a compreensão mais ampla de sua importância em seu tempo, tempo que precisa sempre ser revisitado e re/interpretado, notadamente em um país como o nosso, em que a memória social deixa imensas lacunas. A partir desses vestígios, elementos que permanecem de sua trajetória, é possível reconstruir a história dessa precursora do feminismo brasileiro. Mesmo que ela não tenha tido a intenção de fazer signo ou não tivesse nenhum projeto com esta visada, as marcas que deixou impressas representam um rastro indelével de sua rica existência, um desafio ao apagamento de sua passagem. Garantem, por outro lado, outra percepção de sua obra, diferente da concorrência acadêmica, mais preocupada com seus métodos, restrições formais e regras internas. Se os testemunhos veiculados pelos recortes de jornais em grande circulação na sociedade midiatizada ganharam repercussão pública e legitimidade, o armazenamento na rede virtual sem dúvida atualiza e amplia muito mais essa repercussão.

A primeira série do Caderno n.1 abarca a crítica em circulação desde a publicação de Setiembre, primeiro romance de Carmen da Silva. A primeira página contém três artigos que circularam em jornais argentinos de Buenos Aires e Córdoba, no mesmo ano da publicação do livro (1957); a última página desta primeira série termina com a reportagem intitulada "Simpatía", que circulou na revista feminina Damas y Damitas, em 1966. São estes em torno de 200 recortes que estarão disponíveis inicialmente para leitura em sua íntegra, bastando um clic sobre a imagem, e que poderão ser acessados de qualquer lugar do mundo, a qualquer hora através da Internet, daí a alusão à "grande nuvem". Aos poucos, todos os demais recortes que compreendem a fortuna crítica jornalística da escritora (em torno de mais 200) serão incorporados, sempre com a preocupação da rememoração, que salva o passado, segundo Jeanne Marie Gagnebin (In: Walter Benjamin. Rastro, aura e história, 2012, p. 35), "porque procede não só à sua conservação, mas lhe assinala um lugar preciso de sepultura no chão do presente, possibilitando o luto e a continuação da vida".