Carmen da Silva, uma rio-grandina precursora do feminismo brasileiro.

A menina, o broto e a foto

Carmen da Silva

Sozinha em seu quarto instala-se no divã com as pernas dobradas sob o traseiro, para continuar observando-o. À medida que o contempla, a reação inicial de surpresa, que quase lhe tira o fôlego e a subsequente vaidade vão sendo substituídas por uma tépida e permanente autoternura, que se projeta até o retrato e logo retorna a sua própria pessoinha, envolvendo-a em uma cálida onda de amor.

As pernas...! – murmura encantada –. Essas coxas tão belamente torneadas, e os seios, também a curva do queixo vista assim de três quartos; mas, mais do que tudo, os seios!

Pela sétima vez lê o texto. “Broto do Leblon” acima, em letras grandes. Depois a legenda: “A sereia sorri para o ao mar”. E logo: “Todas as manhãs, a partir das onze, a menina Silvia Elena Salgado Vasconcelos de Rezende Souto floresce sobre as douradas areias do Leblon. Cuidado, Vivi, que os tubarões andam ferozes”. E no meio, entre o título e o texto, a foto. “Não vi quando a tiraram, deveriam ter me avisado”, disse para si mesma com um sorrisinho complacente porque pode se dar o luxo de ser fotografada de improviso, de qualquer ângulo, corpo perfeito, rosto perfeito. A pose insuperável, tudo cem por cento. Para quem sorriria? A alguém especial, ou para o mar, como disse o jornal? Talvez sorrisse para a sua própria juventude, para a sua beleza abraçada pelo sol, o vento e a brisa marinha nos seus dezesseis anos, para a glória de existir. “A glória de existir” poderia ser a legenda. Ou o título. Ficaria ainda melhor que “Broto do Leblon”.

— Telefone, menina Silvia Elena!

A batida na porta sobressalta-a. Abandona precipitadamente o jornal, sentindo-se envergonhada e culpada como se a houvessem surpreendido em um ato autoerótico. É Clara Maria:

— Realmente formidável, Vivi, formidável! Absolutamente “karr”2 . Bem, é de Pablo Roberto: esse homem está fazendo as melhores fotos “do mundo”; tudo seu é realmente “tope”!3

1Texto original intitulado La Niña, el Capullo y el Retrato, publicado em Usted (Week-end – Periodismo & Mujeres. Carmen da Silva: “Escribo para que haya niños”), em 13 febrero, 1961, nº 17, p. 18. O recorte em espanhol dessa publicação encontra-se entre os recortes jornalísticos, onde poderá ser lido no original, bastando pesquisar pela data. Tradução do Mestrando Alexandre Pinto da Silva, pesquisador no Projeto Carmen da Silva, uma rio-grandina precursora do feminismo. Revisão de Nubia Hanciau e João Reguffe.
2Expressão que era usada nos anos sessenta pelos cronistas sociais brasileiros para designar ao “o suprassumo” da elegância e do refinamento.
3N.do T.: gíria à época significando “o máximo!”