Carmen da Silva, uma rio-grandina precursora do feminismo brasileiro.

Rito de passagem. Carmen da Silva e Clarice Lispector

Por Marisa Martins Hädrich

05/03/10

Duas mulheres. Uma, escritora voltada à transcendência. Conhecida e reconhecida, não só no Brasil. Clarice Lispector. A outra, escritora voltada à imanência, à luta pela independência e autonomia da mulher. Quase esquecida no Brasil. Carmen da Silva.

Clarice. Ucraniana, naturalizada brasileira. Nascida em 1920. Carmen. Gaúcha. Nascida em Rio Grande, também em 1920. Completariam 90 anos. Clarice morreu em 9 de dezembro de 1977. Carmen, em 1985.

Personalidades e estilos diferentes. Clarice. Carregada de mistério. Escrita sensível, delicada, rebelde a normas linguísticas, às vezes de difícil leitura. Perfeita. Carmen. Carregada de transparência revolucionária. Escrita direta, objetiva, sem rebuscamentos.

Clarice e Carmen. Duas mulheres responsáveis pelo rito de passagem de minha vida intelectual, profissional e pessoal para outro nível. De uma vida para outra vida.

Clarice. Um soco no peito ao ler e reler A paixão segundo GH e A maçã no escuro. Nocaute com os muitos encontros com Uma aprendizagem ou O Livro dos prazeres.

Carmen. Destruição de paradigmas atávicos sobre o papel da mulher. Por uma coluna mensal na revista Cláudia: A arte de ser mulher. No início da década de 60, dizer... “o sexo é profundamente satisfatório e é tão pecaminoso como um banho de mar num dia de quarenta graus à sombra”, mexia com a geração dos anos dourados, da década de 50.

Clarice. Desafiou-me a escrever colocando-me no lugar do leitor. Na crônica A descoberta do mundo, o segredo: “O personagem leitor é um personagem curioso, estranho. Ao mesmo tempo que inteiramente individual e com reações próprias, é tão terrivelmente ligado ao escritor que na verdade ele, o leitor, é o escritor”. Até ler Clarice só escrevia poesia. A isso me levou Fernando Pessoa. Depois dela, a coragem de arriscar a prosa.

Carmen. Desafiou-me a me reinventar. A buscar autonomia, enfrentando padrões estabelecidos e tabus. A estudar sempre e mais. A assumir funções profissionais quase proibidas a mulheres. A colocar uma mochila nas costas e sair sozinha descobrindo o mundo. A buscar caminhos para a infinitude emocional.

Clarice e Carmen. A elas celebro no Dia Internacional da Mulher. Homenagem muito pessoal.

Sem elas não teria meu rito de passagem...

PS: Zilda Arns receberá homenagem universal no dia 8. Associo-me a todos que lembrarem a grande mulher, morta em combate. No bom combate. Pelas crianças.