Carmen da Silva, uma rio-grandina precursora do feminismo brasileiro.

Romances

Setiembre

Capa de Setiembre
Capa de Setiembre

Primeiro romance de Carmen da Silva, foi lançado em 1957 pela editora Goyanarte, de Buenos Aires, quando a autora residia na Argentina. Foi essa obra que a tornou conhecida no meio literário local, e foi com ela que a autora conquistou o prêmio na categoria romance outorgado pela Sociedade Argentina de Escritores (SADE), juntamente com El Acoso, de Alejo Carpentier. Setiembre transcorre em setembro de 1955, durante os quatro dias que marcam a queda de Juan Domingo Perón. A Marinha, setores do Exército e da Aeronáutica e grupos civis derrubaram a ditadura de Perón naqueles dias. Esse movimento é o pano de fundo do romance que registra a rebeldia do povo argentino na ocasião, o clima de terror e as variadas paixões dos indivíduos hospedados em dois hotéis: “Alvear” e “Estrela”. O primeiro, representando o luxo, o outro, em contraponto, a pobreza. Por eles circulam desde prostitutas a trabalhadores, de um lado, e do outro, de mulheres galantes a novos ricos.

Sórdida pensão com pretensão de hotel, no “Estrela” vivem personagens das mais diversas categorias, profissões e métiers, entre eles um obreiro inconformado, um amante abandonado, um epilético que sofre crises místicas, empregados de restaurante e alfaiataria, prostitutas, uma deliciosa italiana, bela, amoral e transbordante de calor humano, partidários e inimigos do partido que até então vigorava, outras pessoas de condição humilde, todos eles se expressando com linguagem particular, reveladora de seus respectivos estratos sociais. Já o luxuoso “Alvear” reúne um grupo igualmente heterogêneo, desde representantes da tradição crioula, intelectuais, estrangeiros, novos ricos e jovens de boas famílias, que fazem de tudo em benefício da aparência social.

Setembro de 1955 revela-se um mês estranho na Argentina, louco, gelado e cinza, com bombas e tiroteios nas noites angustiantes. Nesse cárcere, onde se ouve o toque de recolher, privados de suas distrações habituais, alguns se afundam em dramas pessoais, outros transcendem até protagonizar maravilhosas aventuras. Verifica-se afinal que não há diferenças sociais entre os dois hotéis, os quais aparentemente se contrapõem; há seres humanos e distintos modos de ser. Por isso Setiembre é apontado pelos críticos que destacam seu realismo contundente e a realidade transformada em prosa literária; eles sublinham também a escrita particular da autora nessa obra, confundida com a escrita de um homem. Em todos os comentários, foi colocado em relevo o fator escândalo, devido ao uso de expressões mais diretas da fala portenha, que não escondem certa crueza natural no falar habitual. Isso tudo Carmen da Silva usou como instrumento para mostrar que o problema do ser humano é o de relacionamento com a vida. Há os que o tem mais forte, outros, mais débil. E há a estranha coincidência de sempre: são os que têm menos defesas aqueles que possuem maior força para viver. Na hora da dureza, respeito é luxo. E a vida brota viva, sem teorizações, nos mais desprotegidos.