Carmen da Silva, uma rio-grandina precursora do feminismo brasileiro.

Livros de ensaios

O homem e a mulher no mundo moderno

Capa de O homem e a mulher no mundo moderno
Capa de O homem e a mulher no mundo moderno

Publicado pela Civilização Brasileira, Carmen da Silva de certa forma dá continuidade e amplia os estudos reunidos em A arte de ser mulher. Aqui, entretanto, ela não se preocupa apenas com problemas femininos, mas busca contribuir para a libertação do homem e da mulher, ao abordar sempre um ângulo que valorizasse a mulher, mas estendendo suas observações para o plano do relacionamento entre os sexos. A escritora enfoca ainda o papel da juventude no contexto do nosso tempo, seus anseios, esperanças, frustrações e equívocos, as perplexidades ante os conflitos do conturbado mundo em que viviam (e ainda vivemos).

Apoiada em suas experiências pessoais e em sua formação, Carmen da Silva procura afrontar a problemática daquela época, no plano das relações humanas, da psicologia do comportamento, da interação social, política, econômica, e cultural, debatendo-a sem demagogia e buscando solução. Seus ensaios, sempre motivados pelo objetivo de romper preconceitos e prejuízos, conscientizavam os leitores, levando-os à descoberta de si mesmos e das realidades em seu entorno.

No prefácio lê-se: “Problemas de relacionamento humano no plano do par, da família, do grupo imediato, da sociedade em geral; vicissitudes dos jovens que têm de lutar na frente interna contra a insegurança e, na externa, contra a hipocrisia paternalista ou a violência repressiva; conflitos da mulher oprimida pelas tradições esmagadoras e as humilhantes limitações que já mal abafam o despertar de suas irrecusáveis aspirações de pessoa: participar, realizar-se, transcender; a antiga batalha entre instinto e tabu, que tantas vezes conduz a estapafúrdias tentativas de armistício, ora na base da atitude anti-social, ora ao preço da renúncia e frustração; o tratamento de conciliar as contradições íntimas, o desconcerto de situar-se ante as contradições do mundo – esses, em grandes linhas, os temas dos artigos que integram o presente livro”.

Ainda hoje não resolvidos, tais temas suscitavam o crescente interesse do público leitor; Carmen da Silva usava o testemunho de sua experiência pessoal para abordar tais assuntos que se tornaram incômodos e suscitaram uma série de indagações perturbadoras. Ela admitia que não era sem angústias, dúvidas e vacilações que sentava ante a máquina de escrever. Em primeiro lugar, a questão do veículo. Escrevendo regularmente para uma revista de grande tiragem destinada à mulher, Carmen da Silva via-se frente a certas restrições quanto ao enfoque, o tom. “Meus artigos penetram em lares bem pensantes (e isto não significa necessariamente que pensem bem) onde, quando muito, posso entrar com uma rajada de brisa mais viva – o ventinho imprevisto que espalha as cinzas dos cinzeiros, levanta a poeira dos móveis, empurra para o meio da sala a sujeira escondida sob o sofá e derruba as teias de aranha na cabeça de alguém. Mas às vezes seria preciso o ciclone que põe a nu as vigas minadas de cupim, deita por terra os muros perigosamente rachados, arranca os tetos tão cheios de rombos que já não oferecem a mínima proteção e segurança”.

Nada disso eximiu-a de responsabilidade. “...creio que minha luta contra os ‘aleijões’ individuais se justifica – embora ela me deixe sempre um saldo de frustração, um sabor de coisa incompleta. Em resumo, faço o trabalho da formiga – mas a formiga, enquanto arrasta o peso da folha, não tem visão integral da árvore, da floresta. E eu tenho. Este é meu orgulho e meu drama”.