Histórias híbridas de uma senhora de respeito
Lançado pela editora Brasiliense, é a última publicação de Carmen da Silva, um ano antes de sua morte. Autobiografia declarada, a autora conta resumidamente vários momentos de sua vida em ordem cronológica: infância, adolescência até a maturidade; por vezes ela narra fatos fora dessa ordem, conforme o fluxo do pensamento e das lembranças, para justificar, questionar ou contrapor determinado tema exposto. A narrativa parte da infância em Rio Grande, no seio de uma família da burguesia média. São relacionados alguns acontecimentos na cidade que a marcaram até os 23 anos, quando então a autora muda-se para Montevidéu, onde vive em torno de seis anos. Depois registra-se sua mudança para Buenos Aires e finalmente seu retorno ao Brasil, para a cidade do Rio de Janeiro. A narrativa atualiza fatos históricos, pessoais, de outras pessoas e/ou coletivos. A formação literária da escritora é igualmente enfocada, seu reconhecimento na capital da Argentina, depois sua estréia no Brasil, o processo de formação da militante feminista em que se transforma a partir de sua coluna “A arte de ser mulher”, na revista Claudia, processo iniciado nos anos 60, com o auge da repercussão nos anos 70.
Para contar sua história Carmen da Silva usa suas experiências mescladas à ficcionalização de alguns fatos com o objetivo de dar visibilidade à mulher, de forma a incentivá-la a estimular sua agentividade, sublinhando que todas podem, assim como ela pôde e fez ao longo de sua vida. É assim que ela questiona, ironiza o tempo todo a condição da mulher, buscando desconstruir a dupla moral, os preconceitos e demais fatores negativos atribuídos às mulheres ao longo da história da humanidade. Essa autobiografia vai muito além da narrativa do eu narcísico; contempla, por meio das reflexões e sugestões, a busca da transformação de si mesma, não apenas das mulheres, mas de toda uma sociedade.